quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Quando a alma incendeia e arde de dor

Só Deus poderia saber o que se passava na cabeça deste homem. Cristão desde criança, não estava mais suportando as perdas em sua vida. Sua família estava totalmente destruída em sua opinião.
Seu casamento era um modelo de perfeição para muita gente, mas sua esposa, o amor de sua vida, o tinha abandonado e, mudando para outra cidade deixou para ele cuidar dos dois filhos adolescentes.
Quantas tardes melancólicas passamos deduzindo e conjecturando o que Deus estava querendo. Fizemos planos de como o Senhor iria honrá-lo diante de todos que ficaram decepcionados, ou estavam escandalizados. Logo surgiram os amigos de Jó com todas as respostas prontas que o “meio Evangélico” muitas vezes ama falar num simplismo absurdo.
Quantas culpas foram colocadas em cima dele, muitas vezes duvidando de sua hombridade e honestidade e o culpando, pois certamente, na cabeça desses “amigos de Jó”, tudo o que ocorrera era conseqüência de pecados que ele tinha cometido.
Ele passou por essa fase inicial heroicamente afirmando que deveria ser apenas uma fase e que tudo iria correr bem. Ouviu profecias que fundamentavam aquela fé ardorosa que tinha na alma; Chegou a fazer defesas apaixonadas do retorno de sua amada, Deus iria trazê-la.
Então o susto! Ela, que era um exemplo de virtude, estava morando com outro, era um namorado de adolescência, que segundo ela não tinha conseguido esquecer mesmo depois de vinte anos de casamento.
A perplexidade se instalou na alma, a depressão que era de certa forma controlável, se tornou intensa a ponto de desejar a morte. Se Deus não dá provação acima das forças como afirma as Escrituras, lá no fundo de sua alma ele achava que Paulo deveria ter errado, pois não estava suportando o fardo em sua vida.
Certa vez ele me confessou que não tinha coragem de praticar qualquer maldade, mas agora poderia compreender o que acontecia na alma, e a profunda dor no coração de quem praticava um crime passional.
Quantas incompreensões ele passou, resolveu se afastar de sua igreja, por não ter coragem de olhar na cara das pessoas e também por muitas incompreensões que sofreu no ambiente religioso. Resolveu investir na sua vida emocional, apesar de nunca conseguir esquecer sua esposa, não consegui. Sofreu com algumas pessoas que duvidaram da sua sinceridade e honestidade.
Certa vez ouvi de alguém que meu amigo não era convertido, porque parece que para essa pessoa ele não tinha a maquiagem de “super-homem espiritual” vendida no mercado evangélico. Logo defendi esse meu amigo e o que ficou no meu coração depois disto é que, na verdade, apesar de seu temperamento melancólico e depressivo, ele é um dos maiores homens de Deus que conheci. Realmente ele é um grande mestre na Palavra, ninguém que conheço conseguiu ter tantos “insights” a respeito do sofrimento.
Ele me ensinou que não estamos livres de passar por grandes dificuldades e que Deus é livre e Soberano para fazer o que quiser; E que é possível viver no deserto mais intenso, profundo e escuro de sua vida conseguir manter a sua fé intacta.
Esse meu amigo tinha um grande amor por Deus e uma reverência por Sua Palavra, e em relação à igreja, a conhecia como necessária, como um lugar de Comunhão e adoração, mas percebia muitas coisas o irritava nos cultos: As falsas promessas de alguns pregadores dizendo que Deus iria fazer um monte de coisas, e quando aquilo não acontecia, eles colocavam culpa na falta de fé do indivíduo.
Ele dizia que a maneira de tratar com cada um é, individualizada, e cabia ao pregador pregar a palavra. Não suportava também a “obrigação” de ser alegre todo o tempo no ambiente religioso, pois a vida no seu modo de entender não é só “festa”, devendo ter tempo para tudo (inclusive ás lágrimas, clamores, contrição e tristeza).
Odiava também o hábito de muitos evangélicos de desejarem ter todos os versículos bíblicos decorados e todas as razões e respostas prontas para as calamidades da vida; As dúvidas, as perplexidades, o silêncio de Deus e incoerências das situações também fazem parte da vida do Cristão.
Certo dia num culto ficou profundamente perturbado com a “alegria” do lugar, e com algumas maquiagens de santidade (é lógico que seu estado depressivo poderia estar dando a ele, com certeza, uma visão bem distorcida!) e resolveu ir para um lugar aonde ele fosse o mais alegre de todos; Saiu dali no mesmo instante e foi para um velório.
Desde muito, quando tinha essas crises de depressão, tinha uma simpatia por funerais. Gostava das musicas que se cantavam nos funerais de evangélicos, da tristeza não fingida, do choro do fundo da alma.

Carlos Coutinho

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